O Nosso Salão

O Nosso Salão é outra das poucas barbearias antigas de Lisboa que ainda funciona. Vim aqui hoje e estou feliz com a minha cabeça e seu fiel cabelo. Abri a porta, deram-​se as boas tardes do costume e sentei-​me. O pano sobre os ombros deu início ao ritual. O dono da barbearia é um senhor velhote, com os óculos tortos e um ar trémulo mas quando chega a hora da tesoura a firmeza não lhe falha nas mãos. Eu sou assumidamente um homem básico, quase simplório no que toca ao penteado, portanto foi fácil explicar o que queria. Como fico sempre ligeiramente incomodado quando corto o cabelo fora de Alcobaça (foi apenas a quarta cadeira de barbeiro em que me sentei), tomei a iniciativa de explicar isso mesmo. O senhor deve ter achado piada e, apesar de nunca perder o ar muito sério, quase enfastiado, lá começámos a conversar. «Ora vamos lá a saber, o senhor é de que clube?», respondi que era do Sporting e o mundo de surpresas abriu-​se. «Pois eu não gosto de futebol e devo ser das pessoas que mais bola podia ter visto na vida, de borla». Perguntei porquê e fiquei a saber que como as antigas instalações da FPF eram aqui perto, os funcionários e associados passavam a vida a oferecer-​lhe bilhetes. «Conhece o Simões, o do Benfica? É meu cliente há mais de 30 anos.» Todo o espaço é muito velho e claramente a pedir uma limpeza. Os cabelos acumulam-​se por todo o lado, uma embalagem de Mucosolvan dorme rasgada pelo balcão e não me parece que tenha visto nada semelhante a um autoclave. «Só tive clube durante um ano, fui do Sporting. Conhece o Inácio? O pai dele também era meu cliente, era muito meu amigo. Vou contar-​lhe uma história.» Por esta altura já estávamos nos acertos finais e eu com o pescoço cheio de cabelos. «O maior desgosto da vida do Inácio pai foi quando o filho deixou o Sporting para jogar no Porto. Depois, quando o filho se tornou treinador, o pai sonhava em ver o filho ser campeão. Morreu dez dias antes do Sporting ser campeão.» Admito que não estava à espera de um desfecho tão fatal para a história mas as minhas patilhas estavam óptimas e a parte de traz do meu cabelo também. «Eu acho que não mas se deus existe é muito mau. Então mata o homem tão pouco tempo antes de ver o filho campeão?! Eh! Raios.» Paguei e antes de sair ainda tive tempo de ver uma senhora a parar para brincar com o barbeiro ateu. Dizia-​lhe que afinal sempre tinha clientes. Se depender de mim, sempre que não puder ir a Alcobaça cortar o cabelo, terá.

Foi a primeira barbearia que experimentei em Lisboa e confesso que podia ter feito melhor escolha. O ar tradicional não me amedrontou, afinal era num espaço assim que habitualmente cortava o cabelo no Alentejo. Tem dois senhores a cortar o cabelo, um deles o dono do estabelecimento. Fui atendido pelo outro e apesar de tentar meter conversa, sobre futebol ou meteorologia, recebi sempre respostas casmurras. Se calhar estava apenas num dia mau mas não fiquei muito bem impressionado. Depois, o corte de cabelo não ficou nada daquilo que queria. Saí quase careca… Não sei se fui eu que me expliquei mal se o senhor que percebeu mal.
Corajoso, ainda voltei mais um par de vezes mas o ambiente não melhorou muito… nem o corte.
O preço, esse sim, é muito bom. Mas não chega.

Na praça da Alegria, quase em frente ao Hot Club, encontrei mais esta barbearia, ainda a funcionar. Estava fechada na altura mas já havia dois clientes à espera. Parece que o dono não tem assim uma hora muito certa para abrir a loja. Está no seu direito. São muitos anos à frente do negócio. O engraçado é que as pessoas esperam. Espreitei e lá estavam as cadeiras, os utensílios, a toalha. À moda antiga é que é bom! Se fosse homem também esperava.